Ocupação revela ditadura na USP

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05/04/2010, 18:00
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Ocupação revela ditadura na USP

Documentos encontrados pelos moradores do CRUSP, que ocupam a sede da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), revelam a existência de uma atividade policialesca da universidade, que controla de perto a vida dos estudantes, perseguindo e reprimindo aqueles que a incomodam

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Já dura mais de duas semanas a ocupação da sede da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social) realizada pelos estudantes da USP, particularmente os moradores do CRUSP.

Esta é uma das primeiras de muitas lutas que virão em 2010 na USP, e mais uma demonstração do que está em jogo na universidade. A ocupação da Coseas, o órgão da universidade que administra a moradia, está longe de ser apenas um movimento para reivindicar mais moradias e melhores condições para aqueles que dependem dela. Os estudantes sabem que a questão central é o poder que hoje está concentrado nas mãos do governo do estado.

Ainda que as condições da moradia e da assistência estudantil em geral sejam extremamente precárias, a ocupação foi conduzida também por um ponto crucial: os anos de perseguição e repressão colocados em prática pela Coseas contra os moradores do CRUSP.

O plano de segurança da Coseas

O mais grave revelado pelos documentos encontrados pelos estudantes é o controle completo que a direção da Coseas, a mando da reitoria, exerce sobre os moradores. A moradia, nesse sentido, é a expressão mais acabada da ditadura que existe dentro da universidade.

Os moradores estão submetidos à perseguição, vigilância e repressão permanentes.

Um dos documentos divulgados pelos ocupantes foi elaborado em 2001 pela Coordenadoria de Assistência Social da USP (Coseas), responsável, entre outros, pela moradia. Trata-se de um plano, a que deram o nome de “Programa de Ação Comunitária e Segurança”.

O plano visava, na realidade, implementar um rígido sistema de controle dos moradores do CRUSP.

Nas primeiras cinco páginas do documento, de um total de 15, a Coseas faz uma análise cuidadosa dos estudantes e da vida da moradia, como no trecho que segue: “num ambiente confuso, que une os que protestam e os que praticam delitos”, há “lideranças internas do CRUSP em dois grupos: o primeiro, de lideranças políticas profissionais, pertencentes a partidos ou organizações sociais de extrema-esquerda que protestam o tempo todo, contra tudo o que signifique tentativa de manutenção da ordem; e o segundo, como um conjunto formado pelos que cometem atos ilícitos conseqüentes à drogadição”.

O nome do documento deixa escapar a verdadeira intenção do plano: é um plano de segurança.

Seu objetivo não é o de melhorar as condições de vida da moradia, a infra-estrutura desta, integrar os estudantes, nem nada que se assemelhe.

Sendo um plano de segurança, seu objetivo é policiar os estudantes, nada mais. E, assim, procurar conter o foco de agitação política em potencial que sempre foi o CRUSP, e que os moradores se organizem para lutar contra a reitoria. Afinal, imagine-se o perigo para a reitoria que representariam mais de 1.000 estudantes concentrados e solidamente organizados.

O plano retoma, assim, o mesmo controle que tinha a ditadura sobre os estudantes.

Não à toa o plano coloca claramente a necessidade de adaptar as portarias dos blocos para “facilitar o controle da entrada de visitantes e moradores”, “implantação de um banco de dados para monitoramento das ocorrências e do cotidiano da moradia” e a compra de oito câmeras “camufladas”, além de binóculos de longo alcance “day and night”, lanternas, rádios para comunicação com a guarda universitária, entre outros.

É um equipamento para o estabelecimento de um controle verdadeiramente policial dos estudantes. Sendo assim, não é um plano para a segurança dos moradores contra elementos de fora, como costumam alegar os planos deste tipo, mas explicitamente um plano de segurança da universidade contra os moradores, ao estilo da “Lei de Segurança Nacional” da ditadura.

Segurança à la ditadura militar

Uma rápida comparação entre o Plano de Segurança da Coseas e o Inquérito Policial-Militar realizado pela ditadura após a invasão do CRUSP, em 1968, não deixa margem a dúvidas. Com vocabulário “moderno” e mais cheio de rodeios, a Coseas adota as mesmas conclusões e métodos que a ditadura militar.

Vejamos. Em um trecho do seu plano de segurança, a Coseas atribui à “entrada do jovem vindo de fora da capital na universidade, que o afasta da família e dos amigos” a transformação do estudante em “alvo fácil” para o que chamam de “especuladores do processo de degradação do ambiente estudantil”. Seja para “radicalismos político partidários”, seja para a moderna acusação de “torná-lo consumidor de drogas”.

Já o relatório feito diretamente pela ditadura diz mais diretamente em determinado trecho: “grande parte dos residentes no CRUSP eram procedentes do interior afastados de suas famílias, e o fato de o CRUSP ter-se tornado local de contatos de estudantes de várias Faculdades, fácil foi sua doutrinação dentro dos princípios marxistas-leninistas pela liderança esquerdista do Movimento Estudantil”. Segundo a ditadura, essa liderança estaria então “explorando as suas reivindicações e propondo soluções pelo incitamento à desordem e ao desacato às autoridades”. Não muito diferente do que diz a universidade atualmente, sobre o grupo “de lideranças políticas profissionais, pertencentes a partidos ou organizações sociais de extrema-esquerda que protestam o tempo todo, contra tudo o que signifique tentativa de manutenção da ordem”.

O que no IPM aparece como acusação de agitação comunista, vandalismo, desordem e promiscuidade, no relatório da Coseas aparece no seu equivalente “moderno” e “democrático” como radicalismos político partidários, vandalismo, desordem e “drogadição”, a nova acusação de tipo moral da burguesia para convencer o resto da população de que os estudantes devem ser “disciplinados”.

O relatório do IPM termina com um relatório detalhado de cada morador considerado “subversivo”, bem como uma lista de documentos políticos encontrados e um acompanhamento detalhado das atividades realizadas no CRUSP, tal como uma peça de teatro.

O relatório da Coseas termina com uma proposta para melhor controlar a vida dos estudantes. O resultado prático do Plano, um aperfeiçoamento do sistema de controle que já existia, foi encontrado pelos estudantes na forma de relatórios policialescos feitos pelos porteiros e agentes contratados pela universidade.

Universidade espiona vida dos estudantes

O “Plano de Segurança” da Coseas previa a transformação de todos os que trabalhassem em torno do CRUSP em agentes informantes da reitoria. Os porteiros são uma das principais peças do sistema montado pela Coseas. Estes acompanham detalhadamente todos os passos dos moradores.

Os seus relatórios indicam quais foram as visitas que os moradores receberam, com dia e horário, se a pessoa consome drogas ou álcool, as festas etc., uma invasão da privacidade dos estudantes que é totalmente inconstitucional.

Os relatórios dizem, por exemplo, que tal morador realizou uma festa na cozinha, determinando a quantidade de pessoas que compareceram, a hora que começou e que terminou.

Um dos relatórios controla detalhadamente as visitas da filha de uma moradora.

A interferência da Coseas chega ao ponto de proibir moradores de receberem visitas ou impedir hóspedes de entrarem em seus apartamentos.

Um documento diz: “comunico que a aluna (…) não está autorizada a entrar em qualquer bloco do CRUSP”.

O controle geral tem duas funções: expulsar os moradores indesejados pela Coseas e liberar vagas na moradia, já que a reitoria se recusa a fornecer vagas suficientes para todos que necessitam da moradia estudantil.

Por isso, a Coseas se dedica a outra atividade que fere os direitos dos moradores, a de monitorar a atividade política destes.

Em um dos muitos documentos semelhantes, os agentes da Coseas relatam a realização de uma reunião dos moradores que reclamavam da “truculência” do “plantão noturno”. No documento ainda identificam moradores e colocam o panfleto distribuído em anexo.

A reitoria da USP não deixa nada a dever para os espiões do SNI.

É bom destacar que a vigilância é exercida sobre os moradores em geral, mas é feita com a clara intenção de perseguir politicamente os estudantes ativistas, que participam do movimento estudantil. Qualquer um que é identificado como “líder” ou “extremista” começa a ser perseguido.

A direção da Coseas, como diz o primeiro documento citado aqui, se preocupa em dividir as “lideranças internas do CRUSP em dois grupos”, um deles sendo de “lideranças políticas profissionais, pertencentes a partidos ou organizações sociais de extrema esquerda”.

Os relatórios da Coseas deixam uma lição aos militantes do movimento estudantil em geral. A perseguição contra as liberdades individuais, sob a máscara de uma preocupação com a saúde da população, como é o caso da repressão aos usuários de drogas, a Lei anti-fumo de Serra ou a Lei seca é usada pelo Estado para controlar e reprimir as organizações de luta dos trabalhadores e dos estudantes. A perseguição às festas, aos usuários de drogas e álcool etc. serve apenas para disfarçar a principal preocupação do Estado, e da reitoria no caso das universidades, que é a organização política independente dos estudantes e trabalhadores.

A luta da ocupação da Coseas é a luta contra a ditadura na universidade

A ditadura na USP se revela em sua mais acabada expressão com as denúncias dos moradores do CRUSP.

Não é só na USP que ocorrem tais abusos. Há uma série de denúncias em diversas moradias das universidades públicas. Na Unicamp, relatórios muito parecidos foram descobertos. Houve casos de estudantes, inclusive estrangeiros, que foram expulsos da moradia e moradores impedidos de receber visitas.

Não é à toa que os moradores do CRUSP sejam os primeiros alvos do autoritarismo da reitoria. As moradias estudantis são tradicionais ambientes de contestação política dos estudantes, são comuns as vezes em que o movimento estudantil começa a se organizar na própria moradia. O fato de os estudantes que moram no mesmo local, geralmente dentro da universidade, terem uma facilidade para se organizar, torna-os “perigosos” politicamente para o governo. Por isso, é prioridade para o governo controlar de maneira ditatorial os moradores do CRUSP, como efetivamente o fazem.

A situação deixa mais do que clara a essência da luta da ocupação da Coseas. É mais uma batalha do movimento estudantil contra a ditadura na universidade e pela instituição de um governo efetivamente democrático nesta, que sirva aos interesses da comunidade universitária e não do governo e dos grandes capitalistas representados por ele. Este só pode ser um governo tripartite, composto por funcionários, professores e por uma maioria estudantil.

Nesse sentido, o movimento estudantil deve dar todo apoio à ocupação da Coseas. A vitória dos moradores do CRUSP é uma vitória de todos os estudantes na luta contra a burocracia universitária.

Moradia sob controle dos estudantes

Como desenvolvimento dessa luta contra a ditadura na USP, está a necessidade de os estudantes tomarem para si o controle da universidade, a única maneira de colocá-la a serviço dos trabalhadores e de toda a população. Isso porque são os estudantes os maiores interessados em uma universidade de qualidade e são os estudantes organizados os únicos capazes de enfrentar politicamente o domínio do Estado capitalista e dos interesses dos grandes capitalistas na universidade.

Só um governo tripartite pode garantir uma verdadeira democracia para a universidade. Um governo que seja gerido pelos três setores da comunidade universitária, proporcionalmente, ou seja, com maioria estudantil.

No caso da moradia, essa necessidade é ainda mais imediata e profunda. Os moradores devem lutar pelo controle total do CRUSP. Nenhum professor, que não mora ou utiliza a moradia, deve ter o mínimo poder, nem administrativo nem político.

A moradia, como o próprio nome diz, é estudantil. Para derrubar definitivamente a ditadura que está colocada no CRUSP, o controle, a perseguição e a repressão aos moradores, os estudantes moradores devem tomar o controle da moradia e decidir através de suas organizações a melhor forma de administrá-la.É inadmissível e inclusive contra a lei o que a reitoria e a Coseas realizam com os moradores do CRUSP. Torna-se, assim, obrigatória a denúncia e a luta contra a violação de direitos dos estudantes por parte da universidade.

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